quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Arquitectura de vão de escada?

No passado Sábado desloquei-me à cidade de Marco de Canaveses, desfrutando de uma solarenga manhã ao volante de um Datsun 1200 S1 de um amigo, que me pediu para lho levar. Grande máquina! Com quase 40 anos, cerca de meio milhão de quilómetros e ainda a bufar como um relógio duplo corpo alimentado a super.

Aproveitei para concretizar uma há muito adiada visita a um dos ícones da arquitectura portuguesa, a Igreja de Santa Maria, do arquitecto Siza Vieira.


Devo começar por esclarecer que não sou admirador do arquitecto em questão (nem de muitos outros), mas isso vale o que vale porque eu não faço projectos de arquitectura, nem fui ainda reconhecido internacionalmente (se bem que, desde que deram o Prémio Nobel da Paz a um tipo porque dizia que tinha boas intenções, depois de já o terem dado a alguns dos maiores criminosos e assassinos em massa mundiais, o reconhecimento internacional também vale o que vale. É tipo a crise hipotecária).

A igreja, localizada num promontório da cidade, foi concluída em 1996. Quer dizer, o edifício tem 13 anos. Precisa de obras. Tem fissuras de retracção do reboco em toda a fachada, por excesso de teor de cimento dos materiais empregues e ausência de juntas em tão grandes panos de fachada. Tem as "fissuras da vergonha" em todas as janelas, resultantes de falta de reforço das arestas. O reboco está partido em vários sítios, sendo evidente junto aos rufos ridiculamente minimalistas que a custo se agarram ao topo das paredes. A ausência total de pingadeiras produziu um sortido de babados interessantes. A disposição de zonas cheias de recantos e sem qualquer cuidado em áreas sombrias onde o Sol não chega é do agrado do musgo e dos vândalos. A porta principal, de 10 metros de altura, apresenta corrosão (da feia, não é da lindinha sobre aço corten tão do agrado dos arquitectos da praça) por fora e apodrecimento do forro de madeira por dentro, enquanto aguarda substituição pelas famosas portas de bronze que hão de vir (acho que o D. Sebastião ficou de as trazer). Se fosse um arquitecto qualquer, este tipo de coisas dava-lhe chatices.






O Datsun, com quase 40 anos desprovidos de cuidados especiais, estava com melhor saúde. Tal como estavam uma moradia com cerca de 100 anos, em frente à igreja e uma capela com cerca de 400 nas suas traseiras, excelentes e duradouros exemplares de arquitectura portuguesa de antanho.

Enquanto lá estava, apareceu uma solitária turista oriental (chinesa, talvez?), em peregrinação arquitectónica. Quero dizer que aquela pessoa foi lá de propósito para ver uma das masterpieces do arquitecto Siza. Não ligou puto aos arredores da igreja, salvando-se de admirar os mais refinados exemplos de arquitectura de vão de escada dos anos de 80, apenas 10 anos mais avançadas em degradação que a Igreja de Santa Maria, bem como aqueles poucos exemplos de construções refinadas e duráveis. Dá que pensar.




Só posso chegar à conclusão que arquitectos tipo Siza são como marcas. Tipo a Nike, a Adiddas, a Mango, a Dolce&Gabana. Não digo como a Louis Vuitton, porque acho que está um nó acima. O marketing desenvolvido à volta das marcas, uma área de negócio mais importante do que os rendimentos dos seus trabalhadores, leva estas marcas ás cabeças das pessoas como se fossem condições sine qua non para o sucesso pessoal, exemplos a seguir cegamente. Acho que arquitectos como Siza, Gehry, Foster, Niemeyer e outros, independentemente das características particulares das suas obras são exaltados por todo um lobby de pretenciosos e/ou profissionais que vendem, ou melhor, impingem estas ideias a uma multidão de jovens arquitectos. Claro que o ambiente de escravidão intelectual que se vive nas faculdades de arquitectura, de acordo com a orientação política dos seus professores/comissários, também não dá grande hipótese de escolha. Os dissidentes têm problemas em todo lado, incluindo nas escolas de arquitectura.

E, graças a isto tudo e mais que já não me apetece escrever, somos obrigados a aturar obras emblemáticas das patologias construtivas assinadas por grandes "mestres".

Nem sequer falo da estética do edifício: gostos não se discutem, lamentam-se.

Sem comentários:

Enviar um comentário