segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Zumbi

Nascemos. Um eufemismo para fugimos, mas não vamos por aí. É mais natural pensar que estávamos a ficar sem espaço e decidimos sair para apanhar ar.
"Vou comprar tabaco e venho já!"
Como muitas impertinencias infantis, é premiada com uma palmada e sequente choro, apenas para admitir o ar frio nos nossos pulmões. Podemos apenas imaginar a memória de todas as artérias do nosso corpo contraírem simultaneamente, como o primeiro mergulho numa límpida lagoa de montanha.
"Se é para isto vou-me já embora!"
Já, já. Tanta pressa. Mas o tempo não anda para trás, o útero não aceita arrependidos, decidimos ficar. É um tempo de novidades. Com o tempo seremos peritos em aceitar as realidades, os factos consumados e os postulados.
"Está bem, pode ser."
Naquele instante, era necessária uma lição. Devia vir nos manuais de puericultura com a indicação de, urgentemente, insistentemente, dar o recado ao recém-nascido. Devia vir gravado no ADN. Era essencial que alguém nos explicasse a inexorabilidade da vida, focado num único aspecto que é soberbamente importante mas que ninguém nos conta, nunca: Quando nascemos, as possibilidades perante nós são infinitas. Podemos vir a ser o ser humano mais formidável do planeta Terra, ter o mundo a nossos pés.
"Ah, ah, ah!"
Mas, cuidado, com os anos o leque de possibilidades vai se reduzindo pouco a pouco. Até que, eventualmente, terminam em sincronia com a própria vida com a qual começaram.
Devo aqui registar uma observação alarmante. O fim das possibilidades e o fim da vida são uma e a mesma coisa, mas não significam necessariamente a morte. Existe aqui uma possibilidade, bastante comum, de não-vida. O indivíduo pode tornar-se um zumbi, um morto-vivo sem vontade própria e cujas reacções são sem vida. Pode também assimilar prematuramente, antecipando o fenómeno de oxidação das células constituintes do nosso organismo, a ideia de fim das possibilidades e portanto o fim da vida.
Dizem que há remédio para tudo menos para a morte. Acho natural que o remédio para a não-vida seja ligeiramente menos difícil do que para a morte.
"Acorda!"

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