sábado, 18 de novembro de 2017

Tempos interessantes

Considero-me afortunado por ter-me iniciado na fotografia no fim dos anos 80, início dos anos 90. Na práctica, foi como se tivesse começado em plenos anos 70, com o velho material que o meu Pai não usava, uma Canon FTb QL, lentes Tamron da época, laboratório a preto e branco... Foi um período de aprendizagem, tendo-me tornado um verdadeiro auto-didacta, para o bem e para o mal. Em retrospectiva, sinto que se, naqueles primeiros anos, tivesse tido uma mão que me guiasse os passos, talvez toda a minha vida poderia ter sido diferente... Se essa mão chegou existir, foi sem dúvida a do meu amigo Philippe Van Os, um fotógrafo belga que, por vias do destino, veio dar um magnífico workshop em Braga, em meados dos anos 90.
Foi graças ao Philippe que descobri a minha predilecção pela fotografia sociodocumental e pelas Nikon manuais. Estávamos na era pré-telemóvel, pré-internet, pré-digital, pré-euro, pré-família, pré tantas coisas que o século XXI nos descarregou em cima. Bons tempos! Em retrospectiva, aquela época pré excesso de informação foi maravilhosa em termos de aprendizagem. Aprendia-se lendo bons livros, vendo boas fotografias e falando com pessoas fantásticas. Sem acesso a um bom mercado de material usado, foi graças ao Philippe, que me aconselhou e tratou das aquisições, enviando o material de Antuérpia, que consegui reunir algumas lentes fantásticas a preço razoável. Aos poucos, fui comprando o material fotográfico que ainda tenho hoje. Nunca tive dúvidas que tinha sido bem aconselhado mas só agora apreciei o quão realmente tive sorte, quer nos conselhos do meu amigo, quer nas (quase todas) poucas outras compras que fiz.


Da esquerda para a direita: Nikkor 24mm f2.8 Ais, 35mm OC f2.0 (Modif.Ai),
50mm f1.8 Ais, 85 f2.0 Ai, 135mm f2.8 Ais    

(In)Felizmente, o advento da fotografia digital não foi, para mim, a continuação do sistema Nikon. Tudo o que eu tinha era manual, mecânico, sólido, eterno, mas muito pouco dado aos tempos do digital. Para aproveitar as minhas ópticas, teria que adquirir uma Nikon  DSLR com sensor full-frame, vendidas a valores perfeitamente irrazoáveis, enormes, pesadas, um atentado à minha sensibilidade e, com certeza, um retrocesso da minha mui elegante e funcional Nikon FE2.


Nikon Df (€2.750 o corpo) VS Nikon FM2
Todos os créditos da imagem para o autor

Num mundo de opções mais ou menos presas ao passado, pareceu-me mais inteligente adoptar um novo sistema, criado de raiz para a fotografia digital, pelo que adoptei a Olympus e o sistema 4/3. Julgo que foi e é uma grande injustiça que, ainda hoje, a Olympus não tenha conseguido ultrapassar a Canikon (uma brincadeira com o nome dos dois grandes, Canon e Nikon) nas mentes do público. Tecnicamente, é superior em todos os aspectos, com a possível excepção dos modelos full-frame, quando utilizados em fotografia de paisagem. De resto, o sistema é mais coerente, leve, compacto... Mas estou a divagar.
O que interessa saber é que fui fazendo cada vez menos uso das minhas Nikon e belíssimas Nikkor. Pior... Infelizmente, herdei o material do meu Pai, que incluía mais Nikons e Sigmas, Prakticas e Prakticars... Coisas a mais, testemunhos esquecidos da fotografia analógica, no tempo do digital. E, cada vez menos tempo, quer para o laboratório, para a fotografia, para o resto... Portanto, estes anos tenho cumprido a obrigação de arejar periodicamente o espólio, combatendo as pragas do desuso e do armazenamento prolongado. Até que, finalmente, decidi que o que é demais é erro.
Assumi que não ia, previsivelmente, fazer mais fotografia analógica e que perdia o meu tempo a pensar nisso. Assumi que o que não usava na minha vida, por inerência, estava só a fazer monte, a ocupar espaço físico, temporal e mental e que, portanto, a impedir outras concretizações e interesses. Decidi vender.
Mas não consegui levar-me a vender as minhas queridas Nikkor, todas com história, há vinte anos na minha mão. Com excepção das Prakticar (para já), coloquei tudo o resto à venda, Olympus incluído. E comprei um corpo Sony A7 e uns adaptadores para as lentes que tenho.



Sony A7 c/ Nikkor-OC 35mm f2.0

A Sony A7 é a vergonha da Canikon. É a câmara que a Canikon já devia ter feito, que os utilizadores pedem há anos e que, teimosamente, estupidamente, ainda não surgiu: Um corpo digital full-frame mirrorless, com toda a versatilidade mas sem o peso e os inconvenientes de uma DSLR. Não serve para fotografar um carro de F1 que se aproxima a 300km/h? Que chatice... Com a baixa de preço das A7 Mk. I, que foi já substituída  pela Mk. II e Mk. III, adquirir um corpo para quem tem lentes vintage, seja de que marca for, é uma opção simples e (relativamente) acessível. Quase todas as lentes servem, via o adaptador adequado, incluindo as Nikkor antigas. Existem adaptadores para lentes de médio formato, lentes de cinema, CCTV, tudo! Como a máquina não tem espelho e respectiva caixa, a distância entre a sua flange e a flange imaginária dos sistemas que admite é tal que cabe tudo mais um par de botas. Há, até, adaptadores com tilt e shift, tornando acessível um conjunto de ferramentas de fotografia que, até agora, apenas estava acessível a quem tinha bolsos muuuuito fundos. Existe um vídeo no youtube de uma Sony A7 equipada com uma lente do século XIX! O visor electrónico (EVF) mostra a imagem que se vai obter, profundidade de campo e tudo, o automatismo é à escolha do freguês, dentro das limitações físicas da combinação abertura/obturador/ISO.
Portanto, estou muito entusiasmado, voltei a pegar no material vintage que tanto aprecio, estou a voltar a pegar no tratamento de imagem digital que tanto tenho para melhorar, sinto-me com vontade de tornar a aprender e fazer fotografia. Vêm aí tempos interessantes!

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