segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Natalidades em Portugal

No dia 18 deste mês nasceu a minha filha. Estou babadíssimo. Mas não quero estar aqui a aborrecê-los com as alegrias da paternidade ou com a apropriação abusiva da descendência comum a mim e à minha parceira. Prefiro aborrecê-los com aqueles pequenos pormenores do Serviço Nacional de Saúde (SNS para os adeptos de siglas) que têm influência indirecta sobre a nossa felicidade e que temos tendência a menosprezar.
O meu primeiro filho teve uma gestação santa. A mãe foi calma e feliz durante todo o tempo, porque se sentia bem e porque não tinha motivos para desconfiar de alguma partida por parte da Mãe Natureza. A médica que a acompanhou (com consultório privado e um part-time no hospital cá do burgo) era a calma em pessoa e muito adepta de deixar as coisas seguirem o seu curso com o mínimo de interferência da sua parte. "Não se preocupe, isso não é nada" foram as últimas palavras que a mãe do meu filho lhe ouviu (ao telefone) antes de tomarmos a decisão de abalar para o hospital, não fosse o Diabo ser tendeiro. O facto da mãe perder fluidos não lhe pareceu muito importante. Mas a médica que a recebeu no hospital deu a este pormenor a importância suficiente para a internar, porque estava em processo de parto apesar da falta de contracções e dilatação.

Ninguém se deu ao trabalho de explicar à minha mulher o que se estava a passar, nem as vicissitudes do Protocolo, esse manual para crimes banais que rege a vida dos profissionais da saúde em qualquer unidade hospitalar do nosso SNS.

O Protocolo, é preciso explicar, é o be-a-bá criado por pessoas desconhecidas dos utentes, para evitar o esbanjamento desnecessário do dinheiro dos contribuintes preocupados, porque não são (ainda) utentes.

Então o Protocolo diz algures qualquer coisa do género "não tem dilatação?! Tá mal, é preciso induzir, senão por onde sai o rebento?". E lá foi a induzir, a induzir a noite toda. Passadas umas 12 horitas de indução, e na falta de resultados, o Protocolo lá diz "Defina falta de resultados: x a y cm ainda dá para sacar o gajo a ventosas. Zero resultados? dass, lá terá que ir de cesariana, mas isso custa muito dinheiro, que chatice..." E lá foi de cesariana. Não é preciso tentar descrever o estado de ansiedade que qualquer um teria depois de 12 horas na "Sala de Dilatação" (sim, tem nome e é esse), sem saber o que se passa, rodeada de gente aos gritos de dor por causa das contracções, mas sem dores porque não as tinha por algum motivo, tasjaber? Mas o rebento lá veio, saudável e rechonchudo.

A médica que acompanhou a minha mulher ainda se cruzou com ela no hospital: "Então, por aqui? O importante é que tenha corrido tudo bem! (sai de fininho)". Tradução: "Ooops, que cagada, afinal meti o pé na poça. Mas está tudo bem, não há nada que processar!" (acho que, no mínimo, lhe era devido um soco na cremalheira, a ver se compensava o dois dentes que a minha mulher perdeu porque a douta da saúde não acredita em cálcio durante a gravidez, entre outras coisas).

Desta vez foi um pouco diferente. O médico que acompanhou a minha mulher no seu consultório também tinha um part-time no hospital. Mas teve a presença de espírito de mandá-la ser acompanhada pelo SNS quando foi de férias para parte incerta, uma semana antes da data prevista para o parto. A médica que a recebeu no hospital, depois de analisar o processo dela, sai-se com qualquer coisa do género "mas alguém está ainda à espera que você tenha um parto normal? Não vamos esperar por complicações, olhe temos uma vaga para cesariana amanhã, assine aqui e apareça cá amanhã de manhã ás 09:00". E, ás 13h06, a Maria João (nome provavelmente fictício, mas talvez não) inspirou pela primeira vez.

A mãe estava feliz, eu estava feliz (acima de tudo porque ela estava feliz, ao contrário de infeliz, o que seria mau), o mundo continuava a rodopiar pelo espaço sideral fora.
Vamos lá pensar onde está a diferença! Acabou o tempo, eu digo: Porque alguém decidiu ser profissional com ovários grandes, atalhar a direito no Protocolo, poupar na mesma dinheirito ao contribuinte saúdavel e sofrimento ao paciente.

O Protocolo pode chuparmos.



Fotos tasjaber
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